Moda Ética para um Futuro Sustentável - Capítulo 4: Matérias-primas
- Carolina, Jéssica, Mayara, Nathalia e Yeda
- 17 de nov. de 2015
- 10 min de leitura
Introdução
O comportamento ambiental e social dos diferentes tipos de matéria-prima utilizados na indústria da moda depende de cada material, de como ele surge e dos processos pelos quais passa até que se transforme em uma fibra pronta para a produção de tecidos. As fibras naturais apresentam uma série de desafios relacionados ao seu cultivo (contaminação por produtos químicos, dependência de água etc) que não são característicos das fibras sintéticas - e vice-versa.
É difícil generalizar o nível do impacto final de um material, uma vez que isso depende de variáveis (país ou região em que é produzido, legislação local, gestão ambiental do fornecedor e tecnologias utilizadas, por exemplo).
A escolha de uma fibra não deve depender unicamente de sua sustentabilidade nos primeiros estágios do ciclo. É necessário observar todos os processos até o a gestão do fim da vida útil da peça.
O estilista escolhe um material, em primeiro lugar, de acordo com a funcionalidade e estética do produto final. Resumidamente, as fibras sintéticas são preferidas para a confecção de roupas esportivas; as artificiais em peças de moda; e o algodão na produção de roupas informais e confortáveis.
O capítulo tem como objetivo ajudar a pensar na sustentabilidade na hora de escolher as matérias primas, sem se limitar a apresentar listas* únicas e restritas que existem no mercado.
*Listas
Material Assessment Tool - Nike: Para ajudar designers e criadores de produtos a fazer escolhas de forma consciente, a Nike desenvolveu o Nike Materials Sustainability Index (Indíce de Sustentabilidade de Materiais), uma base de dados que lista mais de 80.000 materiais com base nos impactos ambientais causados;
Environmental Benchmark for Fibers - Made by: compara os impactos ambientais das fibras mais utilizadas na indústria do vestuário, para influenciar o uso de alternativas mais sustentáveis.
As principais fibras e seu impacto ambiental
Fibras naturais: aquelas extraídas de uma ampla variedade de plantas e animais. Principais: algodão, lã e seda.
Fibras químicas: tanto a síntese de sua matéria-prima quanto a fabricação de seus fios são produto da ação do ser humano.
Sintéticas: aquelas obtidas através de diversos produtos derivados do petróleo. Principais: poliéster e nylon.
Artificiais: matérias naturais, tal como a celulose extraída das árvores, passam por uma transformação química. Principais: modal e viscose.
As fibras sintéticas vêm tomando cada vez mais o terreno das fibras naturais. Tabela: peso de cada fibra em relação à produção total de fibras no mundo (88,5 milhões de toneladas em 2012).
Análise dos diferentes impactos exercidos pela produção de fibras, com foco nas mais produzidas em nível mundial: Poliéster (45%), Algodão (32%) e Viscose (4%).
Para avaliar a sustentabilidade são usados, de forma geral, seis parâmetros: uso de energia\emissão de gases do efeito estufa, uso de água, uso do solo, uso da química, relação com a biodiversidade e produção de resíduos sólidos.



Opções de fibras de menor impacto
Usamos o termo menor impacto, porque elas impactam de alguma forma no meio ambiente, mas impactam menos. Existem três opções de fibras têxteis de menor impacto.
O Poliester Reciclado é uma fibra sintética produzida a partir dos resíduos do pré e do pós consumo do poliéster tradicional, sendo assim tendo um meio de produção mais limpo.
Os Biopolimeros são materiais sintéticos criados total ou parcialmente a partir de matérias primas renováveis, um exemplo de metéria prima renovável é usar a cana de açúcar para substituir o petróleo, e tendo um resultado na mesma qualidade, eles não são muito usados na moda.
O Algodão Ecológico é um algodão produzido de uma forma orgânica, com menor utilização de agua e a não utilização de agrotóxicos, influenciando assim no aumento qualidade de vida dos produtores dessa fibra.Sendo assim sendo um produto mais reconhecido no mercado obtendo selos de qualidade, um deles é o FairTrade, e resultando em um bom marketing ambiental.


Algodão BCI
A Better Cotton Initiative é uma organização textil que tem por objetivo diminuir os impactos do plantio de algodão através da formação dos agricultores. Eles aprendem como reduzir o uso de agroquímicos, como aplica-los de maneira segura, uso consciente de água e melhorar a vida e condições de trabalho da comunidade. Somente são usadas sementes modificadas geneticamente produzidas sobre as exigências da BCI. A empresa se envolve até o processo de separação de sementes, após isso ficam a cargo da empresa que comprou a fibra todos os outros processos.
Algodão “Made in Africa”
Iniciada em 2005 pela Aid by Trade, foi desenvolvida para ajudar os agricultores africanos, suas famílias e seu entorno. A CmiA exige a rotação de cultivos, ou seja, plantar coisas diferentes e alternadas, como milho, soja ou amendoim. Essa prática enriquece o solo e ajuda a combater o aparecimento de pragas. Não utilizam sementes geneticamente modificadas, garantindo a continuidade das espécies autóctones, e evita o uso de alguns agroquímicos. Para evitar o uso desses agroquímicos eles utilizam a técnica de fumigação, que é a de aplicar somente os produtos em caso de danos que afetem, por exemplo, a economia. Para isso os agricultores possuem uma formação, e essa técnica já reduziu o uso de pesticidas em 30%.

Algodão Reciclado
Ele é produzido a partir de restos de algodão pré- ou pós-consumo. No caso do pré é a reciclagem de restos de fios ou tecidos, no dos pós trata-se da reciclagem de roupas usadas. Na verdade, os de pré-consumo constituem a base principal do algodão reciclado, pois no algodão que vem das roupas, muitas vezes existem outros materiais presentes que são difíceis de separar. O resultado dessa reciclagem são fibras curtas e difíceis e serem fiadas. Por esse motivo é inserido fibras virgem para que facilite o processo de produção e ele se torne mais resistente. Misturado ao algodão convencional ou orgânico pode apresentar 20% a 30% nos casos de tecidos planos e até 50% nos tecidos circulares. Misturado às fibras sintéticas, pode representar até 80% do tecido.
Existem alguns fornecedores brasileiros, como a Maxitex (Sapucaia do Sul – RS) e a Eurofios (Blumenau – SC).
Algodão Orgânico Reciclado
Katvig R.O.C é um material feito a partir de restos de algodão orgânico usado para fazer roupas infantis pela marca dinamarquesa Katvig. A fundadora da marca Vigga Svensson reparou que havia um grande desperdício de algodão na fabricação dos produtos, e esse desperdício significa também o de água, de terra, dos agricultores, de energia utilizados na produção desse algodão. Então criou o Katvig R.O.C, um dos mais sustentáveis do mundo.
A marca é uma das líderes do mercado quando se fala em utilização de materiais sustentáveis, em 2012 sua coleção de verão tinha 100% de materiais de menor impacto em seus produtos (algodão orgânico, algodão orgânico reciclado, poliéster reciclado).
Além de incluir a sustentabilidade em sua marca, sua fundadora também possui diversos projetos nesse sentido. Desenvolveu um sistema que economiza as suas embalagens, desenvolve a sustentabilidade na Dinamarca, e criou uma fábrica que recicla todo algodão que é descartado no resto do país.
Além das alternativas sustentáveis para o algodão, ele pode ser substituído por outros materiais como linho e cânhamo, que também possuem suas versões ecologicamente corretas.
Alternativas à Viscose
Tencel: Lyoncell são fibras produzidas pela empresa Lenzing e seu nome comercial é Tencel. É uma versão melhor da viscose, desenvolvida através de tecnologia e boas administração. Vem da celulose do eucalipto, de áreas próprias para essa produção. Plantações essas feitas de forma ecológica seguindo os padrões da Forest Stewardship Council (FSC). A produção é 80% maior de algodão e 30% de viscose. Os eucaliptos crescem mais rápido em terras marginais, sem a necessidade de irrigação artificial, pesticidas e sementes geneticamente modificadas. Além disso, a utilização de água é 20% menor que a utilizada normalmente na produção de viscose. A transformação da polpa de madeira na fibra é feita com a utilização de um solvente orgânico que pode ser reutilizado 99% das vezes.
Urtiga
Cresce com facilidade, não requer irrigação (alimenta-se das chuvas) e apenas uma quantidade mínima de fertilizantes. Sua fibra não requer substancias químicas ou aditivos para fabricação e quando a urtiga é mistura com o linho, o tecido se torna naturalmente antibacteriano e resistente ao bolor.
Além de muitas outras vantagens, a fibra de urtiga é mais resistente e mais leve que a do algodão. Produzida principalmente na Europa sob processos sustentáveis social e ambientalmente.

Sorazora
É uma marca de produtos naturais (desde vestuário, decoração até aviamentos, linhas e tecidos) e comércio justo que começou no Japão em 2003. Eles vendem linhas e tecidos da fibra de urtiga originários do Himaláia.


Estúdio de Desing Alaya
“Através da nossa prática de projeto, pretendemos promover uma vida ecológica, conscientização ambiental e uso sustentável dos recursos naturais e renováveis. Temos parceria com artesãos baseados região do Himalaia e trabalhadores do setor informal para fornecer muitas oportunidades de geração de renda para ajudar a desenvolver as suas competências empreendedoras. Nossas relações com nossos produtores envolve entradas de partilha no projeto, habilidades, infra-estrutura de informação, a literacia financeira e gestão de negócios.”
Alaya segue um mercado para fins lucrativos, assegurando uma adequada remuneração para os produtores. Atualmente Alaya trabalha na região de Uttarakhand com a Sociedade Himmotthan para resgatar a tradição de tecer fios da fibra de urtiga.

G-Star: O denim de urtiga
Apesar de ainda não ser possível desenvolver um denim 100% de urtiga, a empresa G-Star em parceria com a NETIL desenvolve um tipo de denim misto de urtiga com algodão orgânico.

Gunas: A pele Vegana
A marca de bolsas de luxo vegana existe em NY desde 2009 e seu compromisso de sustentabilidade abrange até a cola utilizada na produção. Ela trabalha com materiais como:
Ecopele; algodão recoberto de poliéster ou poliuretano.
Fibras naturais; juta, coco, erva.
Algodão orgânico.
Borracha reciclada.
Tecido de cortiça.
Tecidos livres de tintas AZO e sem PVC.

Cânhamo
Cresce em condições climáticas variáveis, solos pouco férteis, dispensa irrigação e pesticidas/herbicidas, tudo graças à sua resistência (que também confere à fibra durabilidade e versatilidade). Suas raízes contribuem contra a erosão do solo e seus restos vegetais são usados como "adubo" depois da extração da fibra, isso contribui para o plantio de outras plantas sem a necessidade de deixar a terra descansar. Quando extraída ecologicamente ou de forma tradicional possui menor impacto ambiental se comparada ao algodão.
Características do tecido de Cânhamo:
Forte e Durável.
Brilhoso
Absorvente.
Trata-se facilmente com corante.
Fica mais suave com cada lavagem.
É termodinâmico.
Resistente a raios UV.
Excelente isolante.
Mistura-se facilmente com outros tecidos.
ECOloja
Sob a orientação da engª florestal Luciana Sartori e do méd. vet. Samário Menezes, a ECOloja desenvolve campanhas de conscientização ecológica em parcerias com entidades e é pioneira na região comercializando produtos reciclados, reaproveitamento de materiais, sobras da natureza e objetos que divulgam a nossa fauna e flora com sofisticação e bom gosto. Através do Comércio Justo e Verde, vendem produtos com consciência ecológica elaborados por artesãos, ONGs, projetos conservacionistas e sociais, colocando no mercado uma parte da população muitas vezes, ainda, discriminada.
A Ecoloja comercializa um tênis feito com a Malha de Cânhamo, disponível em seu site (www.ecoloja.art.br) e na loja em Águas de São Pedro/SP. Esta malha é produzida na França e importado pela empresa fabricante do tênis. No Brasil não existe a fabricação de malha ou tecido de cânhamo, havendo a necessidade de importação para produção de roupas e acessórios.

Como estabelecer um programa de materiais de menor impacto?
Tenha conhecimento sobre o material: seu impacto e frequência de uso, concentre-se nos materiais de alto risco ambiental;
Pesquise alternativas: Opções de menor impacto podem existir, promova mudanças e melhorias para reduzir seu impacto;
Crie uma estratégia de materiais que viabilize uma logística sustentável;
Analise critérios importantes como uso de água, emissão de gases do efeito estufa, produtos químicos etc, países de origem, disponibilidade, preços e demanda;
Estabeleça objetivos e ações pensando no futuro;
Mensure suas ações através de métodos (verificações, certificações etc);
Defina se suas mudanças serão comunicadas e como isso será feito.
Onde conseguir tecidos de menor impacto?
Hoje em dia temos uma maior facilidade em encontrar fontes de distribuição de tecidos de menor impacto.
É o caso das feiras: INNATEX, A mais antiga feira especializada em tecidos de menor impacto, fundada em 1997 e realizada na cidade de Wallau, na Alemanha e da Source Expo uma feira mais recente também especializada em tecidos de menor impacto, realizada em Londres, na Inglaterra.

Na feira de tecidos tradicionais Munich Fabric Start acontece a Ecovillage, onde o visitante tem a possibilidade de encontrar especialistas em materiais mais sustentáveis. Realizada em Munique, na Alemanha.

Existem também showrooms especializados em materiais sustentáveis, um exemplo é a C.L.A.S.S. Fundada em 2007, é uma ecoplataforma que apóia e promove os produtos sustentáveis nas áreas da Moda, Lar e Design.

Possuem uma ampla oferta de ecotêxteis, fios, processos e serviços, e com uma inigualável coleção de 300 tecidos de menor impacto. (Showrooms em Londres, Milão, Copenhage, Nova York e Madrid)
Aqui no Brasil existe a EcoSimple:
Em 1994, Claudio Rocha e Marisa Ferragutt fundam em São Paulo a “Simple Têxtil Design". A empresa tinha como objetivo idealizar e entender o mercado têxtil, com criações de tecidos e expertise na metodologia de produção verticalizada para as indústrias têxteis, distribuidores, atacadistas de tecidos, magazines e confecções. Durante 10 anos se dedicaram a esse formato.
Em 2004, com visão empreendedora e impulsionados pela globalização do mercado, iniciaram em Americana/SP a produção própria de tecidos e terceirização de serviços têxteis.
Em 2010 de olho no futuro, criaram a EcoSimple uma empresa com conceito inovador e completamente sustentável.

Certificações para as matérias-primas têxteis

Chegou a hora de apostar na diversidade de materiais
A oferta de materiais de menor impacto está crescendo – e se tornando cada vez mais atrativa - o que abre inúmeras portas para estilistas. Já não existem mais desculpas para não apostar em novos materiais. Ao estilista apresenta-se a oportunidade de não mais depender das fibras que aqui apresentamos (poliéster, algodão e viscose). Já é possível pensar em um portfólio de materiais variados, diversos. E isso é uma excelente notícia tanto para os estilistas – que, até agora, viam sua intenção de utilizar materiais mais sustentáveis limitada pelo simples fato de não terem acesso a ofertas atrativas – como para o setor como um todo, que além de minimizar seu impacto, pode reduzir sua dependência em relação a recursos fósseis como o petróleo e, graças a diversidade de materiais, romper com uma tendência em direção a “monocultura” na maneira de se vestir.
Fazer moda com materiais sustentáveis de menor impacto não é sinônimo de fazer moda sustentável
É importante reconhecer que nenhuma fibra, seja ela orgânica, sintética de menor impacto, de comércio justo (fairtrade) ou reciclada pode ser considerada uma solução para o impacto de uma indústria tão intensiva em emissões e consumo de recursos como a indústria têxtil. Dessa forma, voltamos a enfatizar a necessidade de se conscientizar sobre os diversos impactos produzidos ao longo de todo o ciclo de vida de um produto.
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